A crônica e suas características
A crônica tem como
estilo uma narrativa breve, sem aprofundamento da análise, com abordagem
reflexiva, subjetiva e comunicativa, que conta ou comenta histórias da vida
cotidiana.
Histórias
que podem ter acontecido com você, com algum colega seu ou até mesmo com alguém
da sua família. Mas uma coisa é acontecer e outra é escrever sobre esse fato.
Na
leitura de algumas crônicas, você pode notar como esse tipo de narração ganha
um interesse especial.
Seus
personagens são definidos apenas quanto ao momento da ação, falando-se muito
pouco sobre eles.
O
desenvolvimento da crônica está intimamente ligado ao espaço aberto,
principalmente na imprensa. Pode apresentar-se ora humoristicamente, ora
dramaticamente, mas quase sempre com sátiras, porque revela a intimidade de
personalidades famosas do mundo, sobre quem o leitor sempre quer saber mais
alguma coisa, de preferência íntima, particular, secreta.
Disponível no
blog http://lpprofessoraeliane.blogspot.com.br/2010/03/cronica-caracteristicas-e-tipos.html
Cobrança (Moacyr
Scliar)
Ela abriu a janela e ali estava ele,
diante da casa, caminhando de um lado para outro. Carregava um cartaz, cujos
dizeres atraíam a atenção dos passantes: "Aqui mora uma devedora
inadimplente".
― Você não pode fazer isso comigo ―
protestou ela.
― Claro que posso ― replicou ele. ― Você comprou,
não pagou. Você é uma devedora inadimplente. E eu sou cobrador. Por diversas
vezes tentei lhe cobrar, você não pagou.
― Não paguei porque não tenho dinheiro. Esta
crise...
― Já sei ― ironizou ele. ― Você vai me dizer
que por causa daquele ataque lá em Nova York seus negócios ficaram
prejudicados. Problema seu, ouviu? Problema seu. Meu problema é lhe cobrar. E é
o que estou fazendo.
― Mas você podia fazer isso de uma forma
mais discreta...
― Negativo. Já usei todas as formas discretas
que podia. Falei com você, expliquei, avisei. Nada. Você fazia de conta que
nada tinha a ver com o assunto. Minha paciência foi se esgotando, até que não
me restou outro recurso: vou ficar aqui, carregando este cartaz, até você
saldar sua dívida.
Neste momento começou a chuviscar.
― Você vai se molhar ― advertiu ela. ― Vai
acabar focando doente.
Ele riu, amargo:
― E daí? Se você está preocupada com minha
saúde, pague o que deve.
― Posso lhe dar um guarda-chuva...
― Não quero. Tenho de carregar o cartaz, não
um guarda-chuva.
Ela agora estava irritada:
― Acabe com isso, Aristides, e venha para
dentro. Afinal, você é meu marido, você mora aqui.
― Sou seu marido ― retrucou ele ― e você é minha
mulher, mas eu sou cobrador profissional e você é devedora. Eu avisei: não
compre essa geladeira, eu não ganho o suficiente para pagar as prestações. Mas
não, você não me ouviu. E agora o pessoal lá da empresa de cobrança quer o
dinheiro. O que quer você que eu faça? Que perca meu emprego? De jeito nenhum.
Vou ficar aqui até você cumprir sua obrigação.
Chovia mais forte, agora. Borrada, a
inscrição tornara-se ilegível. A ele, isso pouco importava: continuava andando
de um lado para outro, diante da casa, carregando o seu cartaz.
O imaginário cotidiano. São Paulo: Global, 2001.
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